A diretoria da Associação Brasileira de
Pesquisadores (as) pela Justiça Social (ABRAPPS), reunida no dia 22 de abril de
2012, vem a público expressar repúdio à intimidação sofrida pelo índigena Kaiwoá
Guarani Tonico Benites, ex-bolsista 2006 do Programa Internacional de Bolsas de
Pós-Graduação da Fundação Ford. Tonico, seus filhos e esposa, grávida de sete
meses, foram ameaçados por um homem armado nas proximidades da sua aldeia
indígena em Paranhos/MS.
O episódio demonstra o contexto violento pela posse
das terras e a difícil realidade vivenciada pelas comunidades indígenas
brasileiras que lutam para garantir os seus direitos.
Aqui, manifestamos nossa solidariedade e apoio ao
Tonico e à luta índigena.
Abaixo segue o relato de Tonico Benites.
Prezados (as) autoridades federais,
Eu, Tonico Benites , vim por meio desta mensagem comunicar a todas autoridades
federais que hoje de manhã, sexta-feira [06/04/2012], às 10h20, na estrada
pública, em frente da aldeia Pirajuí-Paranhos-MS, um homem não índio, com dois
revólveres na mão cercou a estrada e me mandou parar o carro, pedindo para eu
descer dele.
Diante disso, eu falei para minha esposa, que estava junto comigo, além da
crianças: "É hoje que pistoleiro vai me matar; eu vou descer".
"Você desce e pega a chave do carro e as crianças, e vai correndo avisar
as lideranças da aldeia Pirajui".
Ela começou a chorar com as crianças. Abri a porta e desci. O homem começou me
pedir documento pessoal e do carro; passou a me interrogar. Entreguei a ele os
documentos, ele olhou meu documento e falou: "Hã! vc é o Tonico Benites
né!?, o que veio fazer por aqui!, conta? Hoje vamos conversar seriamente!"
Respondi: "Sim, eu mesmo. Vim visitar a família da esposa e parentadas
aqui na aldeia Pirajui e Potrero Guasu". Ele falou: "É só
isso??" respondi que sim. Comecei entrar em estado de raiva, medo e
desespero, e perguntei o que pretendia fazer comigo e a mando de quem? Ele riu
e disse: "Você é inteligente, né? Que bom!?".
Enquanto isso, a minha esposa gestante de 7 meses, e as crianças irmãzinhas
dela começaram a chorar dentro do carro. O homem, ao ouvir o choro, falou-me
naturalmente: "Você tem filhos e esposa, né? Gosta dela e de teus filhos?
hein?! fala?" Respondi que sim.
Então ele passou me ameaçar: "Você vai perder tudo, ela que você ama e
filhos que gosta, vai perder, Vai perder carro. Vai perder dinheiro. Tudo você
vai perder. Você quer perder tudo? Você quer perder tudo?", ele repetiu
várias vezes essas pergunta. Respondi: "Não! Não! Não!"
Já tinham passado mais de 20 minutos e a chuva estava chegando. "Você tem
dinheiro?" Passou a me pedir a carteira do bolso. Entreguei a ele.
"Hã! você tem sim! E vai começar perder." E pegou tudo o que eu tinha
na carteira. Pediu-me várias vezes para não voltar mais àquela aldeia e região.
"Se você promete que nunca mais vai volta por aqui vou soltar você vivo.
Respondi: "Sim, sim!".
Ele falou: "Não estou não sozinho não; somos muitos. Aqui estamos só
quatro. Tá vendo?", indicando o matinho. "Você não está fazendo o
trabalho que presta, sabia não?", referindo-se à ocupação da terra e
pesquisa antropológica. Ele sabe tudo sobre mim e meu trabalho. Fala bem língua
guarani.
Depois se apresentou dizendo que ele é polícia do Paraguai. A vestimenta dele é
similar a traje da polícia da Força Nacional. Pediu para eu não contar para
autoridade, não! Só assim me soltaria vivo e nem levaria o carro, e nem
machucaria minha esposa e crianças. Prometi que não contaria para ninguém.
Mais ou menos por 40 minutos, ele me falou: "Vai embora daqui! Nunca mais
quero ver você por aqui." Respondi que sim!, se me soltasse, eu não
voltaria àquela aldeia. Por último, disse: "Vou ficar de olho em você, hein?!
Assim me liberou. Não me machucou fisicamente, mas verbalmente sim;
psicologicamente saí traumatizado, tremendo, muito medo. Às 10h45 fui direto à
casa da liderança indígena da aldeia Pirajuí. Contei-lhe e ele ligou para a
delegacia de Polícia Civil, em Paranhos, mas ninguém atendeu. Achamos que, por
conta do feriados.
Imeditamente, as comunidades de Pirajuí se juntaram, querendo saber do
acontecimento. Contei a todos o fato ocorrido. O Otoniel já se encontrava no
interior da aldeia Pirajuí, e Eliseu já estava em Ypo'i. Minha esposa ficou
muito mal, pediu para retornar a Dourados. Por isso, pedi às lideranças para me
escoltar até a cidade de Paranhos. Eles me escoltaram com várias motos,
deixando-me na cidade em Paranhos-MS. Retornei a Dourados, chegando lá às
20h30, e passei a escrever o fato ocorrido comigo hoje.
A liderança da aldeia Pirajuí me pediu para retornar segunda-feira para
registrar queixa na Polícia Civil. Mas sozinho não quero voltar para lá, não.
Preciso fazer algo mais diante disso. O Otoniel e o Eliseu se encontram na
região de Paranhos-MS.
Att,
Tonico
(via Jorge Eremites de Oliveira, no Facebook)